sábado, 13 de agosto de 2016

Cadê o meu Brasil que dá coco?


"Ah, ouve essas fontes murmurantes
Aonde eu mato a minha sede
E onde a lua vem brincar 
Ah, este Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil, brasileiro
Terra de samba e pandeiro
Brasil, Brasil
Pra mim, pra mim"

(Aquarela do Brasil, Composição de Ary Barroso, 1939)

Infelizmente, o Brasil não tem sido para mim um lar. Acolhimento, respeito e carinho não tenho encontrado nas terras da natureza mais exuberante.

Nosso país é privilegiado em diversos aspectos, quase todos relacionados à terra. A fertilidade invejável das terras do Brasil é atacada por pesticidas e agricultura focada na monocultura e no latifúndio. 

Somos o berço de Chico Buarque, Caetano Veloso, Novos Baianos, Mutantes, Elis Regina, Cartola, para citar alguns exemplos na música.

Nossa terra viu nascerem também Jorge Amado, Álvares de Azevedo, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, constituindo uma Literatura de qualidade.

Gente há, portanto, para nos orgulharmos de sermos brasileiros. 

Reconheço as qualidades do Brasil, porém, planejo navegar por outros mares. "Coberta de nuvens, Terra, terra" são os versos de Caetano, tão vasta, tão diversa, tenho desejo de percorrer os teus caminhos. 

Para mim, as fronteiras sempre foram artificiais. Por que dividir o mundo, impedir o deslocamento livre pelas terras e mares? Antes de sermos brasileiros, somos cidadãos do mundo. Assim, para que limitar-se? Escolho estar aberta ao conhecimento e reconhecimento dos continentes, dos países, vizinhos e distantes.

Os motivos para abandonar em defitivo (isto é, viver em outro país) o Brasil são muitos. Infelizmente, a lista cresce a cada dia. O principal é a dificuldade em imaginar o futuro aqui. A beleza está restrita, em geral, aos versos de Ary Barroso.

Muitos já afirmaram: o problema do Brasil é o brasileiro. Raciocínio acertado se pensamos que um país é feito da sua gente. É o modo particular de observar o mundo que nos torna diferentes uns dos outros.

Entre os problemas do Brasil (todos relacionadas ao material humano), destaco:

- Malandragem, jeitinho. Quando aqui aportaram as primeiras naus, estavam presentes toda a sorte de párias, degredados, condenados, oportunistas. Segundo estudo de Alfredo Bosi, "Cultura Brasileira", apenas no século XX surge no Brasil a figura do operário. Até então, o trabalho braçal era feito pelos escravos negros e, em menor proporção, pelos indígenas. Os outros trabalhos eram desempenhados por artesãos, comerciantes etc. Trabalhar, durante muito tempo e no mundo Ocidental, foi caracterizada como atividade negativa. Os nobres não trabalhavam. Trabalhar, muitas vezes, significava ser escravo. Não trabalhar estava associado à liberdade, conferia status social. O grande número de empregadas domésticas, mesmo entre famílias menos favorecidas, nos anos 1980, é no mínimo inquietante. Lavar a própria roupa, limpar o próprio banheiro ainda são vistos, por muitas pessoas, como tarefas indignas. Para mim, todo o trabalho tem seu valor. Profissões mais voltadas ao trabalho manual são tão importantes quanto as mais relacionadas ao trabalho intelectual. A figura do malandro, personagem bem representado por Zé Carioca nos quadrinhos, remete à recusa ao trabalho. O ócio, tão importante para o homem, é sua vida. Muitos trabalhadores apresentam características do malandro. Por exemplo, quando cobro por um serviço ou produto um preço extorsivo, determinado pela cara do cliente, estou agindo "na maladrangem", estou tentando obter vantagem, desconsiderando  conceitos como respeito, honestidade e justiça. Em nossa terra, a malandragem e o famoso jeitinho imperam. Exceções existem, sim senhor. Mas você, caro leitor, há de concordar que um país se faz do comportamento partilhado pela maioria de sua população e não por gentilezas isoladas.

- Entre as malandragens mais comuns: pagar mais caro por gasolina aditivada sem garantia de que esta não foi adulterada; pagar mais caro para consumir frutas orgânicas sem a certeza de que não estejam repletas de venenos; pagar preço de ouro em veículos de qualidade inferior; pagar seguro do carro para ser extorquido nos valores das franquias e esperar dias para ter a solicitação atendida; não pagar seguro do carro e pagar mais caro na oficina mecânica, local em que o preço geralmente segue a regra "a cara do cliente é o preço"; não comprar um imóvel porque os preços são bolhudos, desde o terreno, construção, acabamentos, mobiliário; pagar a conta de luz para conviver com cortes de energia; pagar a conta de água para receber desabastecimentos; estudar para "ser alguém na vida" e descobrir que tudo que te contaram sobre emprego, aposentadoria, não faz mais sentido (este é um fato, não apenas no Brasil, trata-se de uma realidade no mercado de trabalho a qual precisamos nos adaptar); pagar caro para usar roupas de qualidade (entendido como: roupa produzida com tecidos de fibras naturais, como o algodão, e com costuras bem feitas); pagar caro para enfrentar filas e burocracias nos bancos (ou ter conta digital e cartão da Nubank para se livrar do atendimento tradicional no sistema financeiro); pagar caro para comer à la carte ou ter que enfrentar as filas e o risco de contaminação em muitos restaurantes self-service; pagar caro por quase todos os serviços e produtos para receber um atendimento (principalmente no pós-venda) ineficiente.

- admirar-se quando um serviço é bem prestado ou quando o preço é justo. Sim, com pouca gente preocupada em fazer e oferecer sempre o melhor, em tornar-se referência em qualidade, atendimento, transparência, quando encontramos alguém assim temos vontade de abraçar a pessoa, sorrir e escrever uma mensagem de gratidão. O problema não está em sermos gratos por algo bem feito, o problema é que a vontade de fazer certo e melhor deveria ser o padrão. 

- violência. Acredito que não preciso me extender aqui, todos sabemos as situações de perigo que passamos por estas terras. É assim: um motivo é a violência. Ponto.

Brasil, queria que tu fosses para mim o que desejo e procuro dar para ti. Infelizmente, oh, meu Brasil lindo e trigueiro, tens sido um amigo infiel. Por isso, apesar de querer te cantar com versos, organizo-me para o dia em que direi: "Bye, bye Brasil". 

Antes que me acusem por falta de amor patriótico, explico meu modo de entender a questão: patriotismo não significa fechar os olhos para os problemas, amar o país não quer dizer empurrar a sujeira para debaixo do tapete. Ao contrário, quando realmente nos importamos, desejamos o melhor, o aperfeiçoamento, a correção das falhas. 

Não quero esperar o "melhoramento" do Brasil. Prefiro exilar-me noutras terras. Não sou eu quem deseja te abandonar, "terra de palmeiras e curiós". Foi a gente brasileira quem me abandonou. Gente da qual eu faço parte, mas que não reconheço como amiga, salvo raros exemplares. Que um dia eu possa te cantar com versos, Brasil. Carregarei o que há de bom nesta terra sempre comigo. No entanto, prefiro ter saudades de ti, Brasil, do que sentir medo, vergonha, desânimo. 






segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Moda: consumo consciente

Vamos falar sobre moda e consumo.

Segundo Dario Caldas, no livro "Universo da moda", a palavra que melhor identifica a moda é mudança.

Qual o conceito de moda no nosso post?

Moda pode ser entendida como a maneira que um povo, uma pessoa se vestem. Assim, a moda existiria desde nossos antepassados que usavam peles de animais para proteger o corpo do frio, do ataque de insetos. Podemos, por exemplo, identificar o vestuário dos gregos e dos egípcios da Antiguidade.

Mas, se associarmos moda à mudança, observaremos que seu desenvolvimento está relacionado ao surgimento e ascensão da burguesia.

Antes, apenas quem fazia parte da nobreza e do clero poderia $$$$ realmente ter um costureiro para tecer suas roupas. Os tecidos eram muito caros, todo o trabalho era artesanal. Isso quer dizer que aqueles vestidos suntuosos que vemos nos quadros da Idade Média eram costurados manualmente.

Por conta do público consumidor ser muito pequeno, das matérias-primas serem caríssimas, do tempo para costurar uma roupa ser de semanas ou meses, entre outros motivos, as pessoas apresentavam um visual mais padronizado. Era possível, por exemplo, identificar a classe social de uma pessoa através da roupa que ela vestia. 

Apenas com o surgimento da burguesia, na Baixa Idade Média (séculos XI a XV), a moda (mais semelhante ao conceito que temos hoje) passou a existir. 

As expedições marítimas ao Oriente (especiarias, tecidos), a distribuição de renda entre mais estratos sociais (muitos se tornam artesãos e comerciantes), lentamente foram permitindo que se formassem grupos consumidores de moda e grupos produtores (costureiros, modistas, chapeleiros) de moda que possibilitassem maior variedade de looks.

No século XIX, finalmente, surgem as grandes lojas, os grandes costureiros. Nessa época, o costureiro deixa de ir até a casa do cliente. As modistas, os alfaiates, as chapelarias tornam-se famosos. O cliente deve visitar a loja para comprar/encomendar a roupa. 

Ser visto dentro da chapelaria em voga, além de ostentar o chapéu feito por tal artesão, passa a ser importante. Lucien de Rubempré, personagem do livro "Ilusões perdidas" de Balzac, adora flanar por Paris, observando os dândis e as vitrines. 

A primeira metade do século XX é marcada pelas maisons e a figura do grande costureiro. A alta-costura vive seu auge. Roupas sob-medida, costuradas à mão, com tecidos nobres e acabamento impecável, custando milhares de dólares, são o desejo dos mais abastados.

Holly, com seu elegante vestido preto, colar de pérolas e óculos escuros para tomar café e suspirar diante da vitrine da joalheria Tiffany, no filme "Bonequinha de luxo", representa o que muitas mulheres desejavam. Usar uma joia de uma grande marca ou um vestido de um grande costureiro.

O final do século XX e o início de nosso século são períodos de fragmentação, de diluição mais intensas do que antes. 

Cada vez mais a imagem do estilista vem sendo substituída pela da marca. As redes de fast fashion produzem roupas em grande quantidade para o mundo inteiro. Infelizmente, esse movimento nem sempre é acompanhado de qualidade. 

As pessoas nunca foram tão iguais (nublados se apresentam os conceitos de fronteiras, de identidade),  podemos (brasileiros) usar a mesma jaqueta vendida numa loja na Índia. Paradoxalmente, nunca desejamos ser tão diferentes. Queremos ser vistos como únicos, especiais. 

O consumismo é utilizado numa tentativa de sermos reconhecidos pelo grupo, utilizamos um look padronizado, somos aceitos, a coleção anterior não cabe mais (é cafona), o novo novíssimo é o desejável. 

O consumismo também é usado pelos que desejam se diferenciar, compro peças exclusivas, importo "novidades" antes que desembarquem nas fast fashion. 

Eu, que agora escrevo, procuro o equilíbrio. 

Sim, moda é expressão. Primeiramente, quem se expressa é o estilista, no processo criativo e artístico de traduzir sentimentos, sensações, conceitos em roupas. Num segundo momento, eu expresso o que sinto, o que penso por meio das roupas que são expressão do universo particular do estilista. 

Sim, moda é tatuagem. Cobrimos ou revelamos estrategicamente partes do nosso corpo. Roupa não é apenas proteção, roupa pode ser identidade, sedução, violência. 

A relação que temos com nossas roupas tem a ver com auto-estima, estilo de vida, memórias, desejos.

Roupa custa dinheiro, a saia evasê linda da vitrine pode compor looks bacanérrimos, pode fazer você se sentir linda, ousada, fashionista, mas tudo isso passa por uma transação financeira.

Vamos imaginar que a saia evasê custe R$ 100. A primeira pergunta antes de comprar esta saia deveria ser: eu tenho o dinheiro necessário para comprá-la, caso positivo, estes R$ 100 estavam previstos no orçamento mensal como gasto com vestuário ou vou ter que economizar em outras categorias?

Após, as perguntas, pensando num consumo mais consciente, seriam: preciso realmente desta saia? quantos combinações posso formar com as peças que já tenho no meu guarda-roupa? com qual frequência a saia será utilizada? o caimento ficou bom? o tecido é de qualidade? o acabamento (costuras) é bem feito? o preço é justo? realmente desejo esta saia evasê?

Antes de comprar novas peças, é interessante observar nosso guarda-roupa. Limpar os armários e retirar todas as roupas, calçados e acessórios. Verificar o que não está em bom estado, não serve mais, não se adequa ao nosso estilo atual e enviar as peças para doação, venda, costureira para reparos ou descarte. 

O momento pode ser aproveitado para compor looks com nossas peças. Convide seus amigos/amigas para um chá, drink ou pipoca e faça seu próprio desfile. Se possível, fotografe os looks para que você tenha um álbum de ideias de combinações. 

O exercício de observar nosso guarda-roupa ajuda a consumir menos (descobrimos quantas peças já temos) e melhor (verificamos as peças que fariam diferença). Além disso, nos torna mais criativos (talvez antes você não tenha pensado em combinar aquela blusa com aquele cardigã).

Outro dia, limpei meu guarda-roupa e fiz um levantamento de todas as peças, separei algumas para doação, montei looks e identifiquei quais seriam as aquisições futuras mais acertadas.

Quando tinha guardado 1/3 das minhas roupas, percebi como ficou fácil visualizar looks, menos peças afloram nosso lado criativo.

Percebi que os outros 2/3 não precisariam existir para que eu tivesse um guarda-roupa versátil e que eu gostasse. E olha que não tenho muitas peças, não sou a louca do closet. Compro poucas peças por ano e convivo com elas por mais de uma década (desde os dezesseis anos uso o mesmo número de roupa e calçado).

Meu objetivo tem sido construir meu estilo, consumindo menos e com mais qualidade.

Nosso estilo altera-se ao longo do tempo, conforme nós mudamos (idade, profissão, cidade, trabalho, interesses, objetivos). O trabalho aqui é de auto-conhecimento. 

Consumir com qualidade, para mim está associado a priorizar:
- tecidos produzidos a partir de fibras naturais, como o algodão, o linho, a seda, a roupa precisa abraçar meu corpo com um toque suave, gostoso.
- acabamento bem feito, costuras retas, sem linhas soltas.
- caimento, a peça precisa valorizar meu corpo, transmitir elegância (justo na medida). 
- experiência de compra, valorizar o artesão, entregar meus dinheirinhos para quem produz e não para uma rede ou grande marca.
- quantidade: diminuir o número de peças, exercitar a criatividade. Afinal, quem vai usar tanta roupa que acabará indo para o lixo (montanhas de lixo têxtil)? A ideia é que, para cada peça nova, uma que já faz parte do armário precisa sair (doação, venda, descarte).

Moda é mudança, é expressão, é tatuagem, é abraçar o corpo. Roupas, calçados e acessórios se combinam para formar nosso estilo. 

Podemos brincar, ser hoje mais romântica, amanhã mais ousada. Não cai pedaço "errar" no look. Sair com uma combinação que não ficou bacana não vai te tornar ridícula. Moda tem que ser liberdade.

Moda pode ser também consciência. De modo mais claro: o consumo de moda pode ser aperfeiçoado para priorizar o que consideramos essencial.