quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Minha história com o café

Como brasileira é natural que minha história com o café tenha começado na infância. Morando em uma pequeníssima cidade no interior do Paraná, numa região sem tradição na cultura do café (antes tomava-se chimarrão), meus encontros com o ouro negro foram raros.

  Lembro-me de ter conhecido o cafeeiro cultivado no quintal de uma vizinha, comia então os grãos cerejas. Minha avó gostava de café solúvel, mas tem que ser bem preto, ela dizia, e sem açúcar. Eu, dotada de um estômago sensível, preferia o chá.

Depois, por volta dos oito anos, tinha o sonho de tomar cappuccino. Nome que eu (por ser filha de seminarista) sempre associava com os padres capuchinhos. Minha receita era uma pequena dose de café solúvel, mais açúcar cristal, um pouco de água e muita paciência para misturar ativamente os ingredientes com uma colher. No final, meu café chegava a apresentar uma sutil “crema”.

Até pouco tempo o café era meu inimigo. Eu realmente detestava café. Sempre achava amargo, agressivo. Quando me ofereciam uma xícara de café preto eu sempre terminava com dores agudas na barriga. Era como se meu corpo rejeitasse o líquido negro.

 Ano passado, comecei a ler sobre cafés especiais, descobri o fórum Clube do Café (com preciosas e relevantes informações e experiências).

 Isso acendeu uma luz no meu cérebro: será que poderia existir um café que eu realmente sentiria prazer em beber, tomar café poderia ser uma experiência agradável (sem dores e sem açúcar)?

Lembrei-me de ter visitado anteriormente o Café du Coin (na época, pedi um suco, pois café era sempre algo doloroso para mim). Agora, faria uma viagem à cidade e resolvi visitar novamente a cafeteria, após ter descoberto que possuíam uma torrefação e que disponibilizavam cafés especiais.

 Naquele momento, curiosa que sou, já tinha lido vários livros sobre preparo e história do café, muitos tópicos no fórum e assistido à vídeos da Isabela Raposeiras, renomada barista brasileira.

 Mas ainda não tinha experimentado novamente o café (ou seria um novo café?).

 A experiência não poderia ter sido melhor: meu rito de passagem no mundo dos cafés especiais foi conduzido pela querida barista Jéssica.

 Escolhemos no cardápio a experiência de cafés filtrados, diferentes métodos para extração do café. Jéssica subiu as escadas diversas vezes, bandejas carregadas: Aeropress, prensa francesa e Clever, xícaras, balança, potinhos com café recém-moído, chaleira elétrica. Explicou-nos tudo, numa generosidade sem fim, mais do que isso: nos convidou a participar do processo.

Primeiro, cheiramos o café moído, um dos aromas mais deliciosos da vida é o de um grão de café de qualidade moído na hora, complexo e envolvente. Depois, um de nós cronometrou o tempo de infusão de um método, outro apertou o êmbolo da prensa francesa, um terceiro depositou a Clever sobre a xícara para iniciar a extração.

Tudo isto produziu um efeito apaixonado e duradouro em nossa memória e em nossa vontade de aprender mais sobre aqueles grãos.

Jéssica não nos ofereceu simplesmente uma xícara de café, ela nos proporcionou uma experiência sensorial.

 Desejou que desfrutássemos do café e se despediu. O momento de provar o café tinha chegado: qual seria a sensação? O gosto seria amargo? Sentiria agulhas no estômago?

Lentamente sorvi um gole da bebida. Ela era aveluda, encorpada, não agredia minha boca. Os aromas eram inebriantes. Na barriga nenhuma dor. Meu primeiro grão de café “verdadeiro” vinha de um pequeno produtor da Bahia, o senhor Eufrásio Lima.

No dia seguinte, comprei pela internet um moedor de café (Hario Slim). Participei de um cupping, convidada pela Jéssica. Da cafeteria trouxe uma Aeropress e um pacote em grãos do Eufrásio.

Quando retornamos ao Rio Grande do Sul, paramentados de equipamentos de café, fizemos nossa primeira extração caseira. Ela não foi perfeita em termos técnicos, mas foi incrível em termos sensoriais.

O café moído na hora, café do Eufrásio, penetrava meu corpo, sim, tratava-se de experiência corporal, como um transe. Se eu tenho problemas com café? Acredito que não.

Mas aquele grão liberou substâncias prazerosas na minha corrente sanguínea, irrigou meu cérebro. Até hoje, para mim, tomar café é ser atingida diretamente no cérebro. Durante horas, repito, horas, aquela xícara de café reverberou na minha mente, uma sensação que todos dizem ter sido viagem minha.

Desde então, eu venho buscando reproduzir aquela sensação.

Eu não quero apenas tomar um bom café, eu quero extrair o melhor de cada grão.

Para isso, é preciso estudo, prática, perseverança e grãos de qualidade. Eufrásio Lima, numa entrevista, disse que café é alimento.

Sim, café é alimento, para o corpo e para a alma.

 Não é à toa que Balzac se endividava para comprar café. Aliás, se um dia eu encontrasse uma máquina do tempo, levaria um café do Eufrásio para o escritor francês em troca de um abraço ou de figurar secundariamente em um livro (poderia ser um transeunte qualquer de passagem por Paris ou até mesmo, num rodapé de página, aparecer e desaparecer no Quartier Latin), devaneios meus.

Desde aquele dia no Café du Coin, visitei outras cafeterias, tive a oportunidade de fazer cursos e conversar com baristas, a cada dia aprendo algo novo sobre café, sou uma amadora, uma entusiasta do café.

Escrevi tudo isso para dizer: obrigada, Jéssica. Você foi muito importante na minha história com o café, a qual está só começando, mas parece que eu sempre tomei café do Eufrásio, tão grande é a minha felicidade e amor ao café.

 Sim, o café pode ser delicioso. Doce naturalmente, com aromas que variam do abacaxi ao tabaco, do chocolate às flores.

O problema de ter começado com Eufrásio é que ele é meu parâmetro. Continuo não bebendo café que considere ruim, prefiro água ou suco.

 Hoje, depois de economizar o restinho de café que tinha aqui em casa, recebi minha encomenda do Café du Coin, junto veio um presente que me emocionou: um pacotinho com grãos da Etiópia, com recadinho da barista mais fofa do mundo: a Jéssica.

Novamente, obrigada. Gratidão por você ser tão profissional, generosa, amável!

Agora: provar café bom, que estou buscando repetir aquela sensação lá de cima, do meu primeiro café.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Lava-louças Electrolux: acabou

Há pouco mais de dois anos, adquiri uma lava louças Electrolux, modelo LE09B.
A máquina é (ou era) excelente.

Há três semanas, infelizmente e sem motivo aparente, a lava louças parou de funcionar adequadamente. 
As hélices não giram mais, impedindo que as louças sejam limpas, talvez um problema na eletrobomba.
Trata-se de um produto caro e que apresentou problemas cedo.
Para realizar um orçamento e descobrir o problema na máquina, entrei em contato com a única Assistência Técnica Autorizada em minha cidade (Santa Rosa - RS), Servitec Santa Rosa.
Neste momento, a falta de profissionalismo e agilidade agravaram o fato eu de estar sem lava louças funcionando, precisando lavar as louças manualmente.
O prazo para o técnico vir em minha casa somente para avaliar a lava louça era de uma semana, tempo exagerado se considerarmos que ainda seria necessário descobrir o problema, fazer orçamento, encomendar uma possível peça, efetuar a substituição. 
No dia e horário marcados não saí de casa, aguardando a visita técnica, marcada para as 14:30h. Por volta de 13h liguei na Assistência Técnica Autorizada para confirmar se estava tudo certo em relação ao agendamento. Fui informada então que o técnico se atrasaria um pouco, mas que eu não precisava me preocupar, pois ele viria, estava tudo confirmado.
A tarde foi passando e eu fiquei trancada em casa à espera. Quando eram quase cinco horas da tarde e como o técnico não havia chegado, entrei em contato novamente com a empresa. Neste momento, disseram-me que o técnico tentaria vir, mas que não sabiam que seria possível. Observem: agendamento realizado com uma semana de antecedência, como eles não poderiam cumprir?
Fui pessoalmente à Assistência Técnica e tive que cancelar o agendamento, já que a empresa não conseguia cumpri-lo.

A Electrolux oferece uma única Assistência Técnica Autorizada em minha cidade e o atendimento e serviços não correspondem ao padrão de qualidade mínimo esperado não apenas de uma empresa como a Electrolux, mas também de qualquer empresa.
A partir de agora, precisarei aprender a consertar eletrodomésticos já que a Electrolux, através de sua rede conveniada, não é capaz de sequer fazer a avaliação de uma lava-louças?
Eu continuo sem lava louças funcionando, lavando louças manualmente, decepcionada com a Electrolux.

Continuo sem lava-louças há três semanas.

Na semana passada, após reclamação no ReclameAqui, a Electrolux tentou entrar em contato via telefone uma vez. Infelizmente, no momento, estava ocupada e não pude atender a ligação. Após, entrei em contato com a empresa via SAC, pediram se eu aceitaria uma nova tentativa de visita do técnico para consertar/verificar a lava-louças. Sendo esta a única opção disponível e apesar de a Autorizada já ter descumprido um agendamento anterior, aceitei a proposta, isso foi na quinta-feira, por volta das 13h30. Não tendo recebido nenhum retorno, segunda-feira novamente contatei a Electrolux, fui informada de que ainda estavam aguardando a resposta da Autorizada.

Cada vez mais desanimada, constato que ter lava-louças foi ao mesmo tempo uma experiência incrível e péssima. Explico: a praticidade, tempo útil, limpeza da lava-louças me fizeram acreditar que a vida das pessoas no Brasil poderia ser melhor, mais eficiente, com eletrodomésticos inteligentes. Por outro lado, a dificuldade em conseguir consertar o eletrodoméstico, a demora em realizar uma simples avaliação, a curta vida útil da lava-louças, o estresse causado por algo que seria simples de resolver, tudo isso me faz perceber que infelizmente ainda vivemos em um país de terceiro mundo, no qual os serviços e produtos não funcionam adequadamente.

Lava-louças foi um sonho que durou pouco. Desculpem o desabafo: é difícil saber que tudo poderia ser diferente, mas não é.

sábado, 13 de agosto de 2016

Cadê o meu Brasil que dá coco?


"Ah, ouve essas fontes murmurantes
Aonde eu mato a minha sede
E onde a lua vem brincar 
Ah, este Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil, brasileiro
Terra de samba e pandeiro
Brasil, Brasil
Pra mim, pra mim"

(Aquarela do Brasil, Composição de Ary Barroso, 1939)

Infelizmente, o Brasil não tem sido para mim um lar. Acolhimento, respeito e carinho não tenho encontrado nas terras da natureza mais exuberante.

Nosso país é privilegiado em diversos aspectos, quase todos relacionados à terra. A fertilidade invejável das terras do Brasil é atacada por pesticidas e agricultura focada na monocultura e no latifúndio. 

Somos o berço de Chico Buarque, Caetano Veloso, Novos Baianos, Mutantes, Elis Regina, Cartola, para citar alguns exemplos na música.

Nossa terra viu nascerem também Jorge Amado, Álvares de Azevedo, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, constituindo uma Literatura de qualidade.

Gente há, portanto, para nos orgulharmos de sermos brasileiros. 

Reconheço as qualidades do Brasil, porém, planejo navegar por outros mares. "Coberta de nuvens, Terra, terra" são os versos de Caetano, tão vasta, tão diversa, tenho desejo de percorrer os teus caminhos. 

Para mim, as fronteiras sempre foram artificiais. Por que dividir o mundo, impedir o deslocamento livre pelas terras e mares? Antes de sermos brasileiros, somos cidadãos do mundo. Assim, para que limitar-se? Escolho estar aberta ao conhecimento e reconhecimento dos continentes, dos países, vizinhos e distantes.

Os motivos para abandonar em defitivo (isto é, viver em outro país) o Brasil são muitos. Infelizmente, a lista cresce a cada dia. O principal é a dificuldade em imaginar o futuro aqui. A beleza está restrita, em geral, aos versos de Ary Barroso.

Muitos já afirmaram: o problema do Brasil é o brasileiro. Raciocínio acertado se pensamos que um país é feito da sua gente. É o modo particular de observar o mundo que nos torna diferentes uns dos outros.

Entre os problemas do Brasil (todos relacionadas ao material humano), destaco:

- Malandragem, jeitinho. Quando aqui aportaram as primeiras naus, estavam presentes toda a sorte de párias, degredados, condenados, oportunistas. Segundo estudo de Alfredo Bosi, "Cultura Brasileira", apenas no século XX surge no Brasil a figura do operário. Até então, o trabalho braçal era feito pelos escravos negros e, em menor proporção, pelos indígenas. Os outros trabalhos eram desempenhados por artesãos, comerciantes etc. Trabalhar, durante muito tempo e no mundo Ocidental, foi caracterizada como atividade negativa. Os nobres não trabalhavam. Trabalhar, muitas vezes, significava ser escravo. Não trabalhar estava associado à liberdade, conferia status social. O grande número de empregadas domésticas, mesmo entre famílias menos favorecidas, nos anos 1980, é no mínimo inquietante. Lavar a própria roupa, limpar o próprio banheiro ainda são vistos, por muitas pessoas, como tarefas indignas. Para mim, todo o trabalho tem seu valor. Profissões mais voltadas ao trabalho manual são tão importantes quanto as mais relacionadas ao trabalho intelectual. A figura do malandro, personagem bem representado por Zé Carioca nos quadrinhos, remete à recusa ao trabalho. O ócio, tão importante para o homem, é sua vida. Muitos trabalhadores apresentam características do malandro. Por exemplo, quando cobro por um serviço ou produto um preço extorsivo, determinado pela cara do cliente, estou agindo "na maladrangem", estou tentando obter vantagem, desconsiderando  conceitos como respeito, honestidade e justiça. Em nossa terra, a malandragem e o famoso jeitinho imperam. Exceções existem, sim senhor. Mas você, caro leitor, há de concordar que um país se faz do comportamento partilhado pela maioria de sua população e não por gentilezas isoladas.

- Entre as malandragens mais comuns: pagar mais caro por gasolina aditivada sem garantia de que esta não foi adulterada; pagar mais caro para consumir frutas orgânicas sem a certeza de que não estejam repletas de venenos; pagar preço de ouro em veículos de qualidade inferior; pagar seguro do carro para ser extorquido nos valores das franquias e esperar dias para ter a solicitação atendida; não pagar seguro do carro e pagar mais caro na oficina mecânica, local em que o preço geralmente segue a regra "a cara do cliente é o preço"; não comprar um imóvel porque os preços são bolhudos, desde o terreno, construção, acabamentos, mobiliário; pagar a conta de luz para conviver com cortes de energia; pagar a conta de água para receber desabastecimentos; estudar para "ser alguém na vida" e descobrir que tudo que te contaram sobre emprego, aposentadoria, não faz mais sentido (este é um fato, não apenas no Brasil, trata-se de uma realidade no mercado de trabalho a qual precisamos nos adaptar); pagar caro para usar roupas de qualidade (entendido como: roupa produzida com tecidos de fibras naturais, como o algodão, e com costuras bem feitas); pagar caro para enfrentar filas e burocracias nos bancos (ou ter conta digital e cartão da Nubank para se livrar do atendimento tradicional no sistema financeiro); pagar caro para comer à la carte ou ter que enfrentar as filas e o risco de contaminação em muitos restaurantes self-service; pagar caro por quase todos os serviços e produtos para receber um atendimento (principalmente no pós-venda) ineficiente.

- admirar-se quando um serviço é bem prestado ou quando o preço é justo. Sim, com pouca gente preocupada em fazer e oferecer sempre o melhor, em tornar-se referência em qualidade, atendimento, transparência, quando encontramos alguém assim temos vontade de abraçar a pessoa, sorrir e escrever uma mensagem de gratidão. O problema não está em sermos gratos por algo bem feito, o problema é que a vontade de fazer certo e melhor deveria ser o padrão. 

- violência. Acredito que não preciso me extender aqui, todos sabemos as situações de perigo que passamos por estas terras. É assim: um motivo é a violência. Ponto.

Brasil, queria que tu fosses para mim o que desejo e procuro dar para ti. Infelizmente, oh, meu Brasil lindo e trigueiro, tens sido um amigo infiel. Por isso, apesar de querer te cantar com versos, organizo-me para o dia em que direi: "Bye, bye Brasil". 

Antes que me acusem por falta de amor patriótico, explico meu modo de entender a questão: patriotismo não significa fechar os olhos para os problemas, amar o país não quer dizer empurrar a sujeira para debaixo do tapete. Ao contrário, quando realmente nos importamos, desejamos o melhor, o aperfeiçoamento, a correção das falhas. 

Não quero esperar o "melhoramento" do Brasil. Prefiro exilar-me noutras terras. Não sou eu quem deseja te abandonar, "terra de palmeiras e curiós". Foi a gente brasileira quem me abandonou. Gente da qual eu faço parte, mas que não reconheço como amiga, salvo raros exemplares. Que um dia eu possa te cantar com versos, Brasil. Carregarei o que há de bom nesta terra sempre comigo. No entanto, prefiro ter saudades de ti, Brasil, do que sentir medo, vergonha, desânimo. 






segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Moda: consumo consciente

Vamos falar sobre moda e consumo.

Segundo Dario Caldas, no livro "Universo da moda", a palavra que melhor identifica a moda é mudança.

Qual o conceito de moda no nosso post?

Moda pode ser entendida como a maneira que um povo, uma pessoa se vestem. Assim, a moda existiria desde nossos antepassados que usavam peles de animais para proteger o corpo do frio, do ataque de insetos. Podemos, por exemplo, identificar o vestuário dos gregos e dos egípcios da Antiguidade.

Mas, se associarmos moda à mudança, observaremos que seu desenvolvimento está relacionado ao surgimento e ascensão da burguesia.

Antes, apenas quem fazia parte da nobreza e do clero poderia $$$$ realmente ter um costureiro para tecer suas roupas. Os tecidos eram muito caros, todo o trabalho era artesanal. Isso quer dizer que aqueles vestidos suntuosos que vemos nos quadros da Idade Média eram costurados manualmente.

Por conta do público consumidor ser muito pequeno, das matérias-primas serem caríssimas, do tempo para costurar uma roupa ser de semanas ou meses, entre outros motivos, as pessoas apresentavam um visual mais padronizado. Era possível, por exemplo, identificar a classe social de uma pessoa através da roupa que ela vestia. 

Apenas com o surgimento da burguesia, na Baixa Idade Média (séculos XI a XV), a moda (mais semelhante ao conceito que temos hoje) passou a existir. 

As expedições marítimas ao Oriente (especiarias, tecidos), a distribuição de renda entre mais estratos sociais (muitos se tornam artesãos e comerciantes), lentamente foram permitindo que se formassem grupos consumidores de moda e grupos produtores (costureiros, modistas, chapeleiros) de moda que possibilitassem maior variedade de looks.

No século XIX, finalmente, surgem as grandes lojas, os grandes costureiros. Nessa época, o costureiro deixa de ir até a casa do cliente. As modistas, os alfaiates, as chapelarias tornam-se famosos. O cliente deve visitar a loja para comprar/encomendar a roupa. 

Ser visto dentro da chapelaria em voga, além de ostentar o chapéu feito por tal artesão, passa a ser importante. Lucien de Rubempré, personagem do livro "Ilusões perdidas" de Balzac, adora flanar por Paris, observando os dândis e as vitrines. 

A primeira metade do século XX é marcada pelas maisons e a figura do grande costureiro. A alta-costura vive seu auge. Roupas sob-medida, costuradas à mão, com tecidos nobres e acabamento impecável, custando milhares de dólares, são o desejo dos mais abastados.

Holly, com seu elegante vestido preto, colar de pérolas e óculos escuros para tomar café e suspirar diante da vitrine da joalheria Tiffany, no filme "Bonequinha de luxo", representa o que muitas mulheres desejavam. Usar uma joia de uma grande marca ou um vestido de um grande costureiro.

O final do século XX e o início de nosso século são períodos de fragmentação, de diluição mais intensas do que antes. 

Cada vez mais a imagem do estilista vem sendo substituída pela da marca. As redes de fast fashion produzem roupas em grande quantidade para o mundo inteiro. Infelizmente, esse movimento nem sempre é acompanhado de qualidade. 

As pessoas nunca foram tão iguais (nublados se apresentam os conceitos de fronteiras, de identidade),  podemos (brasileiros) usar a mesma jaqueta vendida numa loja na Índia. Paradoxalmente, nunca desejamos ser tão diferentes. Queremos ser vistos como únicos, especiais. 

O consumismo é utilizado numa tentativa de sermos reconhecidos pelo grupo, utilizamos um look padronizado, somos aceitos, a coleção anterior não cabe mais (é cafona), o novo novíssimo é o desejável. 

O consumismo também é usado pelos que desejam se diferenciar, compro peças exclusivas, importo "novidades" antes que desembarquem nas fast fashion. 

Eu, que agora escrevo, procuro o equilíbrio. 

Sim, moda é expressão. Primeiramente, quem se expressa é o estilista, no processo criativo e artístico de traduzir sentimentos, sensações, conceitos em roupas. Num segundo momento, eu expresso o que sinto, o que penso por meio das roupas que são expressão do universo particular do estilista. 

Sim, moda é tatuagem. Cobrimos ou revelamos estrategicamente partes do nosso corpo. Roupa não é apenas proteção, roupa pode ser identidade, sedução, violência. 

A relação que temos com nossas roupas tem a ver com auto-estima, estilo de vida, memórias, desejos.

Roupa custa dinheiro, a saia evasê linda da vitrine pode compor looks bacanérrimos, pode fazer você se sentir linda, ousada, fashionista, mas tudo isso passa por uma transação financeira.

Vamos imaginar que a saia evasê custe R$ 100. A primeira pergunta antes de comprar esta saia deveria ser: eu tenho o dinheiro necessário para comprá-la, caso positivo, estes R$ 100 estavam previstos no orçamento mensal como gasto com vestuário ou vou ter que economizar em outras categorias?

Após, as perguntas, pensando num consumo mais consciente, seriam: preciso realmente desta saia? quantos combinações posso formar com as peças que já tenho no meu guarda-roupa? com qual frequência a saia será utilizada? o caimento ficou bom? o tecido é de qualidade? o acabamento (costuras) é bem feito? o preço é justo? realmente desejo esta saia evasê?

Antes de comprar novas peças, é interessante observar nosso guarda-roupa. Limpar os armários e retirar todas as roupas, calçados e acessórios. Verificar o que não está em bom estado, não serve mais, não se adequa ao nosso estilo atual e enviar as peças para doação, venda, costureira para reparos ou descarte. 

O momento pode ser aproveitado para compor looks com nossas peças. Convide seus amigos/amigas para um chá, drink ou pipoca e faça seu próprio desfile. Se possível, fotografe os looks para que você tenha um álbum de ideias de combinações. 

O exercício de observar nosso guarda-roupa ajuda a consumir menos (descobrimos quantas peças já temos) e melhor (verificamos as peças que fariam diferença). Além disso, nos torna mais criativos (talvez antes você não tenha pensado em combinar aquela blusa com aquele cardigã).

Outro dia, limpei meu guarda-roupa e fiz um levantamento de todas as peças, separei algumas para doação, montei looks e identifiquei quais seriam as aquisições futuras mais acertadas.

Quando tinha guardado 1/3 das minhas roupas, percebi como ficou fácil visualizar looks, menos peças afloram nosso lado criativo.

Percebi que os outros 2/3 não precisariam existir para que eu tivesse um guarda-roupa versátil e que eu gostasse. E olha que não tenho muitas peças, não sou a louca do closet. Compro poucas peças por ano e convivo com elas por mais de uma década (desde os dezesseis anos uso o mesmo número de roupa e calçado).

Meu objetivo tem sido construir meu estilo, consumindo menos e com mais qualidade.

Nosso estilo altera-se ao longo do tempo, conforme nós mudamos (idade, profissão, cidade, trabalho, interesses, objetivos). O trabalho aqui é de auto-conhecimento. 

Consumir com qualidade, para mim está associado a priorizar:
- tecidos produzidos a partir de fibras naturais, como o algodão, o linho, a seda, a roupa precisa abraçar meu corpo com um toque suave, gostoso.
- acabamento bem feito, costuras retas, sem linhas soltas.
- caimento, a peça precisa valorizar meu corpo, transmitir elegância (justo na medida). 
- experiência de compra, valorizar o artesão, entregar meus dinheirinhos para quem produz e não para uma rede ou grande marca.
- quantidade: diminuir o número de peças, exercitar a criatividade. Afinal, quem vai usar tanta roupa que acabará indo para o lixo (montanhas de lixo têxtil)? A ideia é que, para cada peça nova, uma que já faz parte do armário precisa sair (doação, venda, descarte).

Moda é mudança, é expressão, é tatuagem, é abraçar o corpo. Roupas, calçados e acessórios se combinam para formar nosso estilo. 

Podemos brincar, ser hoje mais romântica, amanhã mais ousada. Não cai pedaço "errar" no look. Sair com uma combinação que não ficou bacana não vai te tornar ridícula. Moda tem que ser liberdade.

Moda pode ser também consciência. De modo mais claro: o consumo de moda pode ser aperfeiçoado para priorizar o que consideramos essencial. 






terça-feira, 3 de maio de 2016

Eu nasci em um domingo (e era feriado!)

O tema do post é parto.
 
Antes que alguém aponte a possível incoerência em discutir a respeito de parto e nascimento, quando já dissemos (em outro post) que não desejamos ter filhos, a contradição é inerente ao humanoconcordamos com Michel Odent: para mudar o mundo, é preciso mudar o modo como nascemos.
 
E como se nasce em nosso país?
 
Não é novidade para ninguém que o Brasil é o país com o maior número de cesáreas do mundo.
 
Segundo dados divulgados no portal DATASUS, 56% dos bebês brasileiros nascem por meio de uma cirurgia, a cesárea.
 
Na região Sul, o percentual é ainda pior: 62% de cesarianas.
 
Se observamos somente os números do setor privado, a situação se torna ainda mais alarmante.
 
A título de exemplo, apresentamos o número de cesáreas e partos vaginais na Unimed Fronteira Noroeste RS:
 
Operadora
Parto normal
Cesárea
Total de partos
Taxa de cesárea
352179/Unimed Fronteira Noroeste-RS
 
40
 
356
 
396
 
89,9%
Dados: Agência Nacional de Saúde (ANS), 2013.
 
Sim, quase 90% de cesárea!
Esse dado não é isolado, o número de cesarianas no setor privado de saúde é geralmente próximo do apresentado pela operadora Unimed Fronteira Noroeste.
 
Se quiser saber a taxa de cesáreas e partos normais do seu obstetra, entre em contato com sua operadora de saúde.
 
Resolução Normativa nº 368 da ANS determina que as operadoras são obrigadas a divulgar o índice de cesarianas e partos normais por estabelecimento e por médico.
 
Assim, o modo mais fácil de descobrir se seu médico realmente “faz” parto normal é solicitar (na sua operadora) o percentual de partos normais dele.
 
Para saber se seu médico é cesarista, você pode conversar com outras gestantes que foram atendidas por ele, observar se ele nunca desmarca alguma consulta em razão de estar acompanhando um parto normal, verificar se ele diz/faz coisas do tipo:
 
·      “Vamos falar sobre o parto só quando chegar a hora do TP (trabalho de parto) ou quando você estiver com 36 semanas” = “daí já podemos marcar a cesárea”;
·      Não incentiva você a se preparar para o parto, não explica sobre a fisiologia do parto;
·      Se você fala que deseja ter um doula, ele diz algo como “só tome muito cuidado com a doula, porque muitas atrapalham o trabalho do médico, colocando em risco a vida da mãe/bebê”;
·      Comenta que você não tem dilatação (nas consultas do pré-natal), que sua bacia é muito estreita, que você é muito magra, muito gorda, muito alta, muito baixa, muito jovem, muito “velha” etc.
 
Ok, atualmente o modo como nascemos (a maior parte de nós, pelo menos) é via cirurgia cesárea. Qual é o problema?
 
O problema não é a cesárea, aliás, esta cirurgia é muito importante em alguns casos (poucos mesmo, cerca de 1 em cada 10). Responsável por salvar vidas,quando indicada com base em uma necessidade real.
 
O problema é a cesárea realizada sem necessidade, a cesárea eletiva (agendada), escolhida por comodidade, do médico e/ou da gestante.
 
Afinal, cesárea é cirurgia.
 
Eletiva ou necessária, a cesárea NÃO é isenta de riscos.
 
Quando a indicação é real, o consenso é de que os benefícios superam os riscos.
 
Segundo Moysés Paciornik (obstetra e pesquisador, realizou um grande trabalho de defesa do parto natural, do parto de cócoras, do parto indígena), no livro “Aprenda a nascer e a viver com os índios”, os riscos de uma cesariana desnecessária são:

“O médico assume a responsabilidade de substituir a natureza. As decisões ficam sujeitas a falhas humanas. Pressões de pacientes, de familiares, compromissos e necessidades socioeconômicas. Erros de tempo. Crianças prematuras. Maior morbidade e mortalidade fetal. Materna, também. Infecções, hemorragias, mortes. Maiores despesas. Internamento prolongado. Recuperação mais difícil. Sequelas frequentes”.
 
A OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda que o número de cesáreas não ultrapasse 15%.
 
Como podemos perceber, estamos bem longe de uma taxa considerada saudável de cesarianas.
 
Um dado empírico (e nada científico) que é representativo do alto índice de cesáreas é o número de nascimentos aos domingos.
 
Sim, porque nascer no domingo (médico e gestante saindo correndo para o hospital em pleno final de semana) é evento cada vez mais raro.
 
Eu nasci (via vaginal) em um domingo e ainda era feriado (dia das mães)!
 
Ah, para piorar, era dia de jogo do Brasil contra a Alemanha Oriental, no Maracanã, último jogo da nossa seleção antes da Copa do Mundo de 1990.
 
O obstetra ficava um olho na mãe, um olho na televisão. Gol do Brasil! Gol do bebê!
 
Se fosse hoje, acho que teriam agendado para eu nascer uma semana antes, porque vai que o nenê resolve nascer no feriado, né?
 
Como comenta o médico Ricardo Jones, no documentário “O Renascimento do Parto”, combinamos com o obstetra, com a família que o bebê vai nascer quarta-feira, 10 horas da manhã. Mas o bebê sabe desse combinado? Ele está pronto para nascer na data e no horário agendados?
 
Conversa fictícia:
Obstetra (olhando a agenda): Vamos marcar sua cesárea para quinta-feira, dia 10.
Gestante: Não poderia ser na sexta, doutor? É que é aniversário do meu marido.
Obstetra (ainda verificando a agenda): Olha, vai ter que ser na quinta mesmo, pois na sexta eu vou viajar, daí você vai ter que fazer com outro médico.
Bebê (pensando, na sua agitada vida intrauterina): ah, acho que vou nascer no domingo, dia 13. Enquanto o dia não chega, vou aproveitar para dar um cochilo, que aqui tá muito bom. 
 
É, agora é meio difícil nascer no domingo, acho que vamos pegar o bebê meio de surpresa, no meio do seu cochilo. Poderia até ser engraçado se fosse pura ficção.
 
Com a maior medicalização do parto, com muitas intervenções (episiotomia, ocitocina sintética, anestesia epidural, posição decúbito dorsal etc.), o parto, na maior parte dos casos, deixou de ser evento fisiológico. A gravidez e o parto se tornaram patologias aos olhos de muitos(as).
 
No Brasil, o padrão é nascer através de uma cirurgia. Mas por que as mulheres preferem a cesariana? Será que elas (nós) preferimos mesmo?
 
  • Algumas não preferem, gostariam de ter um parto normal, mas não encontram profissionais dispostos a acompanhar o parto.
  • Algumas optam pela cesárea porque desconhecem seus riscos e acreditam (erroneamente) que ela seja mais segura do que o parto vaginal.
  • Algumas têm medo da dor e/ou pouco conhecem sobre a fisiologia do parto. E o desconhecido, como sabemos, costuma provocar medo.
  • Algumas, apesar de em teseconhecerem as vantagens do parto vaginal (algumas obstetras incluídas), preferem a cesárea talvez simplesmente porque alguns preferem amarelo, outros azul (questão de gosto, dirão).
 
Porém, nascer por meio de um parto “normal” às vezes também pode ser anormal, no sentido de não respeitar a fisiologia do parto.
 
Sim, porque um parto em que a gestante não pode estar acompanhada de um familiar/amigo, não pode se movimentar durante o TP, não pode escolher a posição em que se sente mais confortável para parir, enfim, não tem seus desejos respeitados pela equipe médica, não pode ser considerado normal.
 
Infelizmente, independente da escolha, parto normal ou cesárea, muitas mulheres sofrem violência obstétrica.
 
Por isso, se fala tanto de humanização do parto. Porque a violência com a gestante e com o bebê é mais frequente do que imaginamos.
 
É importante não nos esquecermos de que a humanização refere-se às pessoas, aos profissionais (obstetras, enfermeiras, doulas, parteiras), não aos lugares.
 
Parto humanizado não é parto na banheira, não é parto num quarto com música ambiente ou maternidade com cine parto (que transmite ao vivo a cesárea para os familiares).
 
O parto é humanizado quando os desejos/vontades da mulher são respeitados.

Parto humanizado é quando a mulher é protagonista.

Quer parir de cócoras, quer parir de quatro, quer parir deitada, pode ser.
 
Quer parir na cadeira de parto, na água, na cama, pode ser.
 
Quer parir em casa, quer parir no hospital, pode ser.
 
Parto humanizado é quando o ambiente é acolhedor.
 
A OMS recomenda que cada mulher possa parir no local em que se sente mais segura, mais confortável.
 
Para o parto ser humanizado não é preciso dinheiro, não são necessários grandes investimentos em tecnologia e infraestrutura.
 
Para o parto ser humanizado só é preciso vontade, dedicação, respeito à mulher e ao bebê, respeito à fisiologia do parto, amor. Sim, precisamos também de mais amor.
 
Precisamos amar mais as mulheres grávidas. Precisamos amar mais os bebês.
 
Prova de que a questão principal não é dinheiro, prova de que a humanização está nas pessoas é o trabalho realizado pelo Hospital Sofia Feldman, em Minas Gerais.
 
Hospital do SUS e humanizado. Verdadeiramente humanizado.
 
Temos um longo caminho para combater a “epidemia de cesáreas” no Brasil (a expressão é da OMS), para proporcionar às mulheres e aos bebês mais respeito, mais acolhimento, mais amor.
 
Esse caminho passa, conforme Michel Odent, pela figura da parteira. Nesse sentido, o parto precisa deixar de ser um evento médico, uma patologia. O parto deve voltar a ser o que sempre foi, desde as primeiras mulheres que pariram, um evento fisiológico.
 
Dentro de todas nós, mulheres, existe uma força, um poder que nos torna capazes de parir.
 
Não é obrigação de ninguém parir. Não se é menos mulher, menos mãe por ter feito uma cesárea. Assim como não se é menos mulher por decidir não ser mãe.
 
Mas, com certeza, a experiência do parto deve ser única e emocionante. Talvez o único momento que me faça invejar as mães, é que elas podem passar pela incrível e desconhecida experiência do parto natural.
As doses de ocitocina natural (o chamado hormônio do amor) liberadas durante o TP nunca mais serão tão altas.
 
A ideia é que cada mulher possa ter acesso à informação de qualidade, à medicina baseada em evidências, à profissionais humanizados, para que, informada e bem acompanhada, possa escolher como e onde deseja dar à luz.
 
O caminho para humanização do parto, do nascimento, passa também pelas mulheres. É preciso informar-se, empoderar-se!
 
Esta discussão é importante para as mulheres, para os homens. Não desejo ter filhos, mas conviverei com os filhos das mulheres que optaram por ser mães. O modo como nascemos, portanto, interessa a toda a sociedade.
 
PS: Pode ser que, em algum momento, voltemos a escrever sobre o tema aqui no blog.
 
Referências e dicas de leitura:
 
Sites:
www.datasus.gov.br (Departamento de Informática do SUS).
 
www.ans.gov.br (Agência Nacional de Saúde).
 
Livros:
O camponês e a parteira. Michel Odent. Editora Ground.
 
Aprenda a nascer e a viver com os índios. Moysés Paciornik. Editora Rosa dos Tempos.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Venenosa! Mais amor, por favor.

Advertência: este post contêm palavras ofensivas, um pouco de veneno, uma porção de sinceridade, opiniões dadas sem permissão, portanto, não provoque sua sensibilidade. Deve ser lido em doses homeopáticas e as palavras devem ser entendidas com mais humor, leveza.

“Venenosa... O seu veneno é cruel... Detesta todo mundo... A alegria alheia incomoda...”
(voz e performance de Rita Lee)

Oblómov* chama seu servo Zakhar de “venenoso”.  Segundo o servo, quando o patrão começa com as “palavras patéticas” o melhor é ficar calado, no cantinho, ouvindo “sem prestar atenção” porque as palavras são tolas, sem sentido.

Nosso estoque de veneno parece cada vez maior, nosso interesse na vida alheia também.

Como cantava (e alertava) Caetano nos versos “(A) todo mundo quer saber com quem você se deita, (B) nada pode prosperar”!
Quando A se apresenta o resultado é sempre B.

Antes de prosseguir, vamos distribuir um pouco de veneno. Aproveite, pode gritar, xingar. Liberte seus demônios!

Pronto, recupere a compostura.

Por que gostamos tanto de fuxicos? A vida alheia não parece sempre mais interessante?!

Vamos tricotar, vamos futricar a vida da(o) fulaninha(o)... FUTRICAR(palavra linda!).

Futricareis diante do meu cadáver. Futricarei diante do teu cadáver.
(Risadinha sardônica, pois esse é o momento Zé do caixão que te quero).

Sim, funeral parece ser o ambiente ideal para colocar a fofoca em dia, sobretudo se o babado for a respeito do(a) recém-morto(a).

Tom lúgubre! Enviemos a dama da gadanha para longe! Xô, dona Morte. Xô, “futriqueiros”(as) de plantão.

Voltemos às inquietações. Por que não podemos olhar o outro com mais amor? Ah, porque o veneno é muito mais divertido ;)

Para que pensar: “ah, a(o) fulaninha(o) é tão feliz, tão bem-sucedida(o), tão lépida(o) e fagueira(o)... Que bom, fico feliz por ela(ele)”, se podemos dizer por aí (para tantos quantos encontrarmos):“nossa, você viu fulaninha(o)... está tão lépida(o) e fagueira(o), aí tem, aí tem coisa, sinto cheiro de enxofre... (gargalhada venenosa)”.

Por que distribuir amor se podemos encarnar a(o) naja najo(naja macho), não é?

Será que os ideais de “paz e amor”,muito amor, da geração que era jovem nos anos 70 morreram quando eles(elas) se tornaram “sérios”(as), engravatados(as) e ficaram com vergonha de ter pirado?

Não, sabemos que não está morta a vontade de tornar o mundo melhor por meio do amor ursinhos carinhosos forever.

Sabemos também que há gente (muita) que só quer saber de f*der os outros na vida e na morte (em todos os sentidos imagináveis). Peço perdão aos meus dois leitores eu e meu marido pela falta de delicadeza. A palavra era necessária, pois, my lord, é vida real. Sem edição. Sem colorido e, às vezes, tem chuvisco.

É, querido(a), Clarice Lispector, na Macabéa, já te contava que “a vida é um soco no estômago”.

E se a de alguém não for, vamos dar um soco no estômago dele(dela). Algo bem naquele estilo “ou você está enganando ou está sendo enganado(a) por alguém”. Banânia mode on

Vamos sorrir mais, vamos gargalhar para as najas (machos e fêmeas). Aproveitar mais a vida (a nossa) e deixar que os(as) outros(as) vão para o inferno ;)

(Atenção: contradição se aproxima).

Sem olvidar que a vida é encontro. Encontro com o outro, que nos povoa, que nos faz mais ricos.

Brindemos por um encontro mais livre, liberto de veneno! com brut, por favor

Mas se quiser contar um “fuxiquinho”, pode chamar ;)

Para terminar, vamos cantar com Caetano: “Existe alguém em nós, em muitos dentre nós, esse alguém que brilha mais do que milhões de sóis e que a escuridão conhece também...”

Mais amor, bora conhecer os lados (muitos!) luminosos e obscuros de todos nós. Sim, da(o) fulaninha(o) também. Esforce-se para ver o Sol em mim, em você.


*Personagem do escritor russo Ivan Gontcharóv.