quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Minha história com o café

Como brasileira é natural que minha história com o café tenha começado na infância. Morando em uma pequeníssima cidade no interior do Paraná, numa região sem tradição na cultura do café (antes tomava-se chimarrão), meus encontros com o ouro negro foram raros.

  Lembro-me de ter conhecido o cafeeiro cultivado no quintal de uma vizinha, comia então os grãos cerejas. Minha avó gostava de café solúvel, mas tem que ser bem preto, ela dizia, e sem açúcar. Eu, dotada de um estômago sensível, preferia o chá.

Depois, por volta dos oito anos, tinha o sonho de tomar cappuccino. Nome que eu (por ser filha de seminarista) sempre associava com os padres capuchinhos. Minha receita era uma pequena dose de café solúvel, mais açúcar cristal, um pouco de água e muita paciência para misturar ativamente os ingredientes com uma colher. No final, meu café chegava a apresentar uma sutil “crema”.

Até pouco tempo o café era meu inimigo. Eu realmente detestava café. Sempre achava amargo, agressivo. Quando me ofereciam uma xícara de café preto eu sempre terminava com dores agudas na barriga. Era como se meu corpo rejeitasse o líquido negro.

 Ano passado, comecei a ler sobre cafés especiais, descobri o fórum Clube do Café (com preciosas e relevantes informações e experiências).

 Isso acendeu uma luz no meu cérebro: será que poderia existir um café que eu realmente sentiria prazer em beber, tomar café poderia ser uma experiência agradável (sem dores e sem açúcar)?

Lembrei-me de ter visitado anteriormente o Café du Coin (na época, pedi um suco, pois café era sempre algo doloroso para mim). Agora, faria uma viagem à cidade e resolvi visitar novamente a cafeteria, após ter descoberto que possuíam uma torrefação e que disponibilizavam cafés especiais.

 Naquele momento, curiosa que sou, já tinha lido vários livros sobre preparo e história do café, muitos tópicos no fórum e assistido à vídeos da Isabela Raposeiras, renomada barista brasileira.

 Mas ainda não tinha experimentado novamente o café (ou seria um novo café?).

 A experiência não poderia ter sido melhor: meu rito de passagem no mundo dos cafés especiais foi conduzido pela querida barista Jéssica.

 Escolhemos no cardápio a experiência de cafés filtrados, diferentes métodos para extração do café. Jéssica subiu as escadas diversas vezes, bandejas carregadas: Aeropress, prensa francesa e Clever, xícaras, balança, potinhos com café recém-moído, chaleira elétrica. Explicou-nos tudo, numa generosidade sem fim, mais do que isso: nos convidou a participar do processo.

Primeiro, cheiramos o café moído, um dos aromas mais deliciosos da vida é o de um grão de café de qualidade moído na hora, complexo e envolvente. Depois, um de nós cronometrou o tempo de infusão de um método, outro apertou o êmbolo da prensa francesa, um terceiro depositou a Clever sobre a xícara para iniciar a extração.

Tudo isto produziu um efeito apaixonado e duradouro em nossa memória e em nossa vontade de aprender mais sobre aqueles grãos.

Jéssica não nos ofereceu simplesmente uma xícara de café, ela nos proporcionou uma experiência sensorial.

 Desejou que desfrutássemos do café e se despediu. O momento de provar o café tinha chegado: qual seria a sensação? O gosto seria amargo? Sentiria agulhas no estômago?

Lentamente sorvi um gole da bebida. Ela era aveluda, encorpada, não agredia minha boca. Os aromas eram inebriantes. Na barriga nenhuma dor. Meu primeiro grão de café “verdadeiro” vinha de um pequeno produtor da Bahia, o senhor Eufrásio Lima.

No dia seguinte, comprei pela internet um moedor de café (Hario Slim). Participei de um cupping, convidada pela Jéssica. Da cafeteria trouxe uma Aeropress e um pacote em grãos do Eufrásio.

Quando retornamos ao Rio Grande do Sul, paramentados de equipamentos de café, fizemos nossa primeira extração caseira. Ela não foi perfeita em termos técnicos, mas foi incrível em termos sensoriais.

O café moído na hora, café do Eufrásio, penetrava meu corpo, sim, tratava-se de experiência corporal, como um transe. Se eu tenho problemas com café? Acredito que não.

Mas aquele grão liberou substâncias prazerosas na minha corrente sanguínea, irrigou meu cérebro. Até hoje, para mim, tomar café é ser atingida diretamente no cérebro. Durante horas, repito, horas, aquela xícara de café reverberou na minha mente, uma sensação que todos dizem ter sido viagem minha.

Desde então, eu venho buscando reproduzir aquela sensação.

Eu não quero apenas tomar um bom café, eu quero extrair o melhor de cada grão.

Para isso, é preciso estudo, prática, perseverança e grãos de qualidade. Eufrásio Lima, numa entrevista, disse que café é alimento.

Sim, café é alimento, para o corpo e para a alma.

 Não é à toa que Balzac se endividava para comprar café. Aliás, se um dia eu encontrasse uma máquina do tempo, levaria um café do Eufrásio para o escritor francês em troca de um abraço ou de figurar secundariamente em um livro (poderia ser um transeunte qualquer de passagem por Paris ou até mesmo, num rodapé de página, aparecer e desaparecer no Quartier Latin), devaneios meus.

Desde aquele dia no Café du Coin, visitei outras cafeterias, tive a oportunidade de fazer cursos e conversar com baristas, a cada dia aprendo algo novo sobre café, sou uma amadora, uma entusiasta do café.

Escrevi tudo isso para dizer: obrigada, Jéssica. Você foi muito importante na minha história com o café, a qual está só começando, mas parece que eu sempre tomei café do Eufrásio, tão grande é a minha felicidade e amor ao café.

 Sim, o café pode ser delicioso. Doce naturalmente, com aromas que variam do abacaxi ao tabaco, do chocolate às flores.

O problema de ter começado com Eufrásio é que ele é meu parâmetro. Continuo não bebendo café que considere ruim, prefiro água ou suco.

 Hoje, depois de economizar o restinho de café que tinha aqui em casa, recebi minha encomenda do Café du Coin, junto veio um presente que me emocionou: um pacotinho com grãos da Etiópia, com recadinho da barista mais fofa do mundo: a Jéssica.

Novamente, obrigada. Gratidão por você ser tão profissional, generosa, amável!

Agora: provar café bom, que estou buscando repetir aquela sensação lá de cima, do meu primeiro café.

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